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Uma das três raptadas de Cleveland perdoa seu sequestrador

“Se eu fizesse algo de errado gostaria que me perdoassem”, disse Knight, a que mais sofreu nas mãos de Ariel Castro

Amanda Berry, Gina DeJesus e Michelle Knight, em uma cerimônia em fevereiro.
Amanda Berry, Gina DeJesus e Michelle Knight, em uma cerimônia em fevereiro.T. Dejak (AP)

As profundas sequelas são ainda bem visíveis, mas Michelle Knight parece que começa a deixar para trás o que viveu durante quase onze anos, mantida em cativeiro junto a outras duas jovens, numa casa em Cleveland, Ohio. Coincidindo com o primeiro aniversário de sua libertação na terça-feira, Knight deu várias entrevistas nos últimos dias às redes de TV norte-americanas, nas quais apesar de relatar as atrocidades a que foi submetida, perdoa a Ariel Castro, seu sequestrador que se suicidou em setembro, um mês depois de ter sido condenado à prisão perpétua.

“Se eu fizesse algo de errado, ainda que fosse uma coisa pequena, gostaria que me perdoassem. Por isso posso perdoá-lo pelo que fez de mal, porque assim é a vida”, disse Knight na segunda-feira, em uma entrevista à rede de TV NBC, na qual falou pouco, em meio a instantes de certa desorientação, exibindo sorrisos um tanto desconfortáveis e outros mais sinceros.

A jovem de 33 anos, que tinha 21 quando foi capturada por Castro em agosto de 2002, foi a que mais sofreu a barbárie do monstro de Cleveland, que torturou e violentou sexualmente de forma sistemática a ela e a outras duas jovens, Amanda Berry e Gina DeJesus. Mas Knight foi a primeira vítima, a que mais sofreu abusos e humilhações de seu verdugo, que lhe causou pelo menos dois abortos com golpes em seu abdômen.

As outras duas vítimas divulgaram comunicados separados, nos quais agradecem o apoio recebido e se mostram com esperanças no futuro

Durante seu terrível cativeiro, também foi obrigada a ajudar a dar à luz à filha que Castro teve com Berry, ameaçando-a de que se o bebê morresse, ela teria o mesmo fim. Knight viveu uma infância problemática e teve um filho quando adolescente. Sua relação com a família é ambígua, já que foi a única das três sequestradas que não voltou ao lar depois de serem libertadas há um ano.

Atualmente a jovem vive sozinha e pede para ser chamada de Lily, depois de mudar o nome para Lillian Rose. Escreveu um livro sobre sua trágica experiência, lançado na terça-feira e promovido em sua série de entrevistas às grandes redes de TV. Se diz feliz por sua nova vida, alimentada por sua fé em Deus e pelo amor ao seu filho de 14 anos, que foi adotado por uma família que decidiu, por enquanto, não apresentá-lo à sua mãe biológica.

Há alguns meses Knight começou a cantar e a fazer aulas de boxe. “Estou bem e tudo é muito emocionante neste momento. É simplesmente incrível”, afirmou com um tenso sorriso na NBC. “Poder levantar pela manhã, fazer um café, ver televisão, escutar música e olhar para o céu bonito”. Seu objetivo é divulgar que é uma sobrevivente e ajudar outras pessoas com o relato do horror que viveu na modesta casa de dois andares, agora demolida, no número 2207 da Avenida Seymour, oeste de Cleveland.

Mas a ferida do inferno persiste e certamente nunca chegue a cicatrizar-se por completo. Durante a entrevista, disse estar “entristecida e confusa” pela morte de Castro em setembro. “Era um ser humano e cada ser humano precisa ser amado, ainda que faça algo ruim”, afirmou. Knight foi a única das três sequestradas que compareceu em agosto na audiência na qual o ex- motorista de ônibus escolares de 53 anos foi condenado à prisão perpétua. Então, sem olhar para ele, alfinetou: “Passei 11 anos no inferno, mas agora começa o seu”.

As sequelas pela agonia vivida afloraram também quando lhe perguntaram por suas duas companheiras, Berry –que foi raptada em abril de 2003 quando tinha 16 anos- e DeJesus –que desapareceu um ano depois, quando tinha 14-. Com expressão séria, Knight explicou que apenas mantém contato com elas. “Estamos nos curando à nossa maneira. Às vezes as relações não duram muito. Estivemos nas vidas de cada uma por um período curto e, talvez, apenas talvez, voltemos a nos unir”, disse.

A jovem agora vive sozinha e é chamada de Lily, depois de mudar o nome para Lillian Rose. Escreveu um livro

As três foram vistas juntas apenas em uma homenagem e em julho apareceram separadamente em um vídeo no qual agradeciam o apoio recebido. Enquanto Berry e DeJesus quase não aparecem em público, Knight já ofereceu em novembro sua primeira entrevista em um programa do canal a cabo de Oprah Winfrey. Nela relatou as barbaridades a que foi submetida, como estar amarrada a uma cadeira e ser humilhada continuamente, e estava muito mais emocionada e insegura do que nas entrevistas desses dias, o qual é um sinal alentador de sua recuperação.

No primeiro aniversário de sua libertação, as outras duas vítimas divulgaram comunicados separados, nos quais agradeceram o apoio recebido e se mostram com esperança diante do futuro. “Este último ano foi incrível, cheio de recuperação e esperança. Vivi novas experiências, como aprender a usar novas tecnologias e a dirigir”, disse DeJesus. Na mesma linha, Berry afirmou: “Aconteceram muitas coisas no último ano. Cresci, sou forte e tenho muito que viver. O futuro é brilhante”.

Há alguns meses, Berry e DeJesus estão colaborando com dois jornalistas do The Washington Post em um livro no qual contarão seu inferno e que será publicado no ano que vem, somando-se ao recém-lançado de Knight. As experiências das vítimas de sequestro despertam grande interesse nos Estados Unidos. Os livros de Jaycee Dugar –que ficou em cativeiro durante 18 anos em um casamento na Califórnia- ou o de Elisabeth Smart –encontrada com vida em 2003, um ano depois de ser raptada em Utah quando tinha 14 anos- foram sucesso de vendas no país. Tudo indica que o livro de Knight terá o mesmo êxito.

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