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O Papa apoia a luta dos indignados

Pontífice estimula os jovens a protestar contra a corrupção

Río de Janeiro -
O papa Francisco.
O papa Francisco.STEFANO RELLANDINI/POOL (EFE)

O papa Francisco finalmente chegou à periferia. Depois de repetir algumas vezes há quatro meses que a Igreja deve abandonar o centro —os confortáveis palácios do ensimesmamento— e buscar os recônditos do mundo, onde falta pão e justiça, Jorge Mario Bergoglio chegou a uma favela do Rio de Janeiro, se misturou com sua gente e lançou uma mensagem muito clara: “Nenhum esforço de pacificação será duradouro para uma sociedade que ignora, marginaliza e abandona na periferia uma parte de si mesma. A medida da grandeza de uma sociedade é determinada pela forma com que ela trata quem está mais necessitado, quem não tem mais que sua pobreza”.

Depois de percorrer Varginha, uma área com cerca de 2.000 habitantes no coração da favela de Manguinhos, o Papa dirigiu uma mensagem aos jovens, verdadeiros protagonistas dos últimos protestos no Brasil, para pedir-lhes que não se deixem levar pelo desânimo: “Vocês têm uma especial sensibilidade diante da injustiça, e muitas vezes se sentem desapontados com os casos de corrupção, com as pessoas que, em vez de buscar o bem comum, buscam seu próprio interesse. A vocês e a todos repito: nunca desanimem, não percam a confiança, não deixem que a esperança se apague. A realidade pode mudar, o homem pode mudar. Não se habituem ao mal, mas sim a vencê-lo”.

Desde que começou a viagem à Jornada Mundial da Juventude (JMJ), as principais intervenções de Bergoglio —as palavras aos jornalistas no voo papal, a homilia no santuário de Aparecida, sua mensagem aos dependentes de drogas do hospital São Francisco de Assis e seu discurso na favela— têm sido caracterizadas por um evidente conteúdo social. Suas intervenções não pretendem se limitar à comunidade cristã, mas ir muito além. O Papa argentino utiliza com habilidade o alto-falante de sua popularidade para tentar influir, mudar as coisas. Vez por outra, Bergoglio apresenta a Igreja como acompanhante dos bons propósitos, nunca como único e excludente caminho. Diante dos jovens afetados pelas drogas ou dos desprivilegiados das favelas, utiliza a mesma fórmula: “A Igreja não se alheia a seus fardos, mas os acompanha com afeto”.

O Papa do sorriso e do utilitário jamais apresenta Jesus como o Todo-poderoso que tudo vê, disposto a condenar ao inferno quem passar dos limites, mas sim como um Cristo que duvidou e sofreu na cruz, disposto sempre a dar a mão. Talvez pertençam à mesma empresa e vendam o mesmo produto, mas o cardeal espanhol Rouco Varela —para dar apenas um exemplo— e o bispo argentino de Roma utilizam aromas muito distintos. Das bolas de cânfora à água fresca. Da resignação cristã à santa indignação.

Em seu discurso na favela, Jorge Mario Bergoglio disse: “Gostaria de fazer um chamado àqueles que têm mais recursos, aos poderes públicos e a todos os homens de boa-vontade comprometidos com a justiça social: que não se cansem de trabalhar por um mundo mais justo e mais solidário. Ninguém pode permanecer indiferente diante das desigualdades que ainda existem no mundo. Que cada um, conforme suas possibilidades e responsabilidades, ofereça sua contribuição para pôr fim a tantas injustiças sociais. Não é a cultura do egoísmo, do individualismo, que muitas vezes regula nossa sociedade, aquela que constrói e leva a um mundo mais habitável, mas sim a cultura da solidariedade; não ver no outro um concorrente, mas sim um irmão”.

Ao chegar à favela de Varginha, o papa Francisco disse duas frases para as pessoas levarem no bolso. Disse que, desde o princípio, ao programar a viagem ao Brasil, seu desejo era visitar os bairros: “Queria bater em cada porta, dizer bom dia, pedir um copo de água fresca, tomar um cafezinho, ou um pouco de cachaça, falar como amigo de casa, escutar o coração de cada um, dos pais, dos filhos, dos avós. Mas o Brasil é tão grande! Então escolhi vir aqui…”. No coração da pobreza e da violência. Até sete meses atrás, o controle da favela de Manguinhos era exercido pelos narcotraficantes locais, em tiroteio aberto contra a polícia e os assassinos vizinhos. Agora existe uma paz precária, artificial, imposta a golpes de rifle.

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Das 500 favelas do Rio, apenas 20 foram pacificadas. São a exceção. A realidade é muito mais dura. 6% dos brasileiros —cerca de 11 milhões de pessoas — continuam vivendo em favelas onde os serviços mais básicos são artigos de luxo. A visita cordial do papa Francisco os tirou da invisibilidade por algumas horas. Amara Oliveira, de 82 anos, até fez as unhas. Sua casa foi uma das pré-selecionadas para receber o Papa. Nos dias anteriores à visita, contou que trabalhou na bilheteria de um cinema a vida toda, mas nunca conseguiu assistir a um filme. É o destino de uma classe a quem é proibido até sonhar.

Um grupo de crianças se aproxima de Francisco para tocá-lo durante sua visita ontem à favela de Varginha, no Rio de Janeiro.

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