_
_
_
_
_

Juiz que condenou ex-diretor do Banco do Brasil justifica a sua fuga

“É natural que a pessoa tente escapar, principalmente conhecendo as condições desumanas das nossas penitenciárias”, disse Marco Aurélio Mello

Juan Arias

Enquanto a Interpol procura pistas na Itália para deter o ex-diretor do Banco do Brasil (BB), Henrique Pizzolato, que fugiu após ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 12 anos de cárcere no processo do mensalão, um dos magistrados que o condenou, Marco Aurélio Mello, surpreendeu ao justificar a fuga devido às condições das penitenciárias do país.

"Precisamos entender a angústia de quem é condenado. É natural que a pessoa tente escapar, principalmente conhecendo a condições desumanas das nossas penitenciárias", disse Mello, e acrescentou: "Ele talvez tenha aproveitado a dupla nacionalidade para fugir do Brasil e se livrar do que suporia entrar num dos nossos cárceres". O ministro também justificou a fuga com o fato de que o Brasil "tem fronteiras muito amplas e abertas, o que propicia episódios como este".

A referência do magistrado às condições das prisões brasileiras não surpreende, já que há alguns meses o ministro de Justiça, Eduardo Cardoso, chegara a dizer: "Preferiria morrer a ter de passar muitos anos numa destas prisões", que qualificou de "medievais". A Polícia Federal segue o rastro da fuga do ex-diretor do BB desde que, há seis semanas, o viram sair à noite com três grandes malas do seu apartamento em Copacabana, no Rio de Janeiro. As últimas pistas indicam que ele cruzou a fronteira do Paraguai de carro com documentos falsos e foi para a Itália, onde tem família e cidadania. Não há confirmação oficial do seu paradeiro.

As possibilidades de extradição de Pizzolato são quase nulas. O governo brasileiro se conformaria com processá-lo na Itália pelos mesmos crimes pelos quais foi condenado: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato pelo desvio ilegal de 77 milhões de reais (cerca de 33,3 milhões de dólares) do BB para o esquema de corrupção do mensalão.

Duas notícias recentes na imprensa começam a causar preocupação. A primeira é que Pizzolato teria se sentido abandonado pelo próprio partido, o PT, que, ao contrário do que fez com os políticos condenados, só teria expressado solidariedade quando a sua condenação tornou-se irreversível. A outra notícia é que os seus parentes anunciaram que, junto com as roupas, o ex-diretor do BB teria levado "um dossiê com documentos secretos" que poderia usar se algum dia se visse abandonado novamente.

Pizzolato – que até agora era um personagem quase burocrático, sem história pública – começa a despertar curiosidade nas ruas por ter conseguido burlar o STF, a polícia e o próprio governo. A mídia ressalta uma característica pouco conhecida do personagem: a grande devoção às virgens e aos santos. Católico por tradição familiar, desde que o mensalão foi descoberto ele ia à missa todos os dias na igreja de Nossa Senhora de Copacabana. O escritório da sua casa, cuja foto o jornal O Globo publicou nesta quinta- feira, é uma espécie de santuário, com imagens de São Francisco, da virgem Maria, outra do arcanjo São Gabriel e sete rosários pendurados na parede. Desde que fugiu, um dos pregos de onde pendiam os rosários está vazio. Quando ainda podia viajar, Pizzolato peregrinava pelos santuários de Lourdes e Fátima e uma vez fez o Caminho de São Tiago.

Únete a EL PAÍS para seguir toda la actualidad y leer sin límites.
Suscríbete

Apesar de ser católico praticante, ultimamente Pizzolato frequentava o Centro Espírita Engenho Novo, confissão que tem muitos adeptos no Brasil entre empresários e banqueiros. Ele foi seminarista antes de trabalhar em banco, e esteve no mesmo seminário que o hoje secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, antigo chefe de gabinete do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

É conhecida a devoção aos santos e virgens entre os políticos brasileiros. Os seus escritórios no Congresso costumam estar repletos de estatuetas religiosas. A presidente Dilma Rousseff, agnóstica, tem na sala de espera diversas estatuetas de virgens, que chama de "santas", como muitos brasileiros. O seu antecessor, Lula, mantinha na parede junto à mesa de trabalho um crucifixo de madeira de dois metros de altura que ganhara de presente.

Tradução de Cristina Cavalcanti

Regístrate gratis para seguir leyendo

Si tienes cuenta en EL PAÍS, puedes utilizarla para identificarte
_
Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_